O governo de Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e o relator deputado Celso Sabino (PSDB-PA) seguem com o plano de colocar em votação nesta terça-feira o texto da reforma do Imposto de Renda, a despeito das críticas de empresários, que reclamam de aumento da carga, e de Estados e municípios, que se queixam de perda nos repasses a que tem direito hoje.
Especialistas em tributação também criticam o texto, que segundo eles foi pouco debatido, e que não ataca os reais problemas do modelo de tributação brasileiro, com o agravante de torná-lo mais complexo e de incentivar ainda mais a pejotização, sem que haja nenhuma contrapartida.
Mas, afinal, como ficou a versão final do texto desta chamada "parte 2" da reforma tributária (a parte 1 é a que trata dos tributos sobre o consumo, e segue parada), após sucessivas revisões feitas pelo relator nas últimas semanas?
Muitos dos dispositivos que constavam do projeto apresentado pelo governo no fim de junho foram retirados ou alterados, e outros incluídos. Listamos na arte abaixo um resumo das principais mudanças propostas.
A proposta original propôs acabar com a tabela regressiva dos investimentos em produtos como fundos de renda fixa e multimercados, que atualmente têm alíquota de 22,5% a 15%, dependendo do prazo. A ideia era que todos fossem tributados com alíquota única de 15%. Essa parte do texto, porém, não consta do relatório do deputado Sabino. Portanto, se o texto for aprovado, a tabela regressiva segue valendo.
Em relação aos fundos imobiliários, a proposta do governo previa acabar com a isenção e mudar a alíquota incidente sobre ganho de capital de 20% para 15%. Na versão do relator, ficam mantidas as regras atuais. Sem mudanças por aqui.
Em relação ao investimento em ações, tanto o texto original como o do relator acabam com a alíquota maior, de 20%, que incide hoje sobre operações de day-trade, quando a pessoa compra e vende ações no mesmo dia. Fica valendo a alíquota única de 15% de forma geral para ganhos com aplicações em renda variável. A isenção para vendas de ações por pessoas físicas até R$ 20 mil por mês fica de certa forma mantida, mas o limite passa a ser estabelecido em R$ 60 mil por trimestre, dado que também a apuração dos lucros e perdas (que podem ser compensados integralmente) começará a ser trimestral.
Ainda em relação aos investimentos, fica mantida a isenção de IR de produtos de renda fixa como LCI, LCA, CRI e CRA, além do FII (mencionado acima) e Fiagro.
A tributação dos dividendos sobre o investimento em ações, que talvez seja a grande novidade da reforma proposta, foi mantida a criação da alíquota de 20% sobre o valor distribuído para investidores individuais. Serão isentos apenas os dividendos de empresas do Simples e de lucro presumido que faturem até R$ 4,8 milhões por ano (o que não abarca as empresas da bolsa, e sim empresas menores e pessoas físicas que trabalham como PJ). Em relação ao último caso, apenas a parcela presumida do lucro (de 32% no caso de serviços, por exemplo) poderá será ser distribuída sem tributação aos sócios, a não ser que a empresa tenha contabilidade completa e demonstre que o lucro foi efetivamente maior.
Ainda em relação às ações, e abrindo espaço para planejamentos tributários, o investidor PJ que for controlador de outra empresa ou detiver ao menos 10% da investida e avaliá-la no seu balanço pelo método de equivalência patrimonial, também não pagará IR sobre o dividendo recebido, apenas quando a empresa "de cima" distribuir os recursos a seus acionistas pessoa física.
A possibilidade de distribuição de lucro na forma de juros sobre capital próprio, que hoje reduz a tributação da pessoa jurídica, embora com IR na fonte de 15% para quem recebe, fica proibida com a reforma.
Sobre os dividendos que forem pagos a fundos de investimento haverá tributação de 5,88% na fonte e mais 15% na hora do resgate (sobre os 94,12% que entrarem no fundo), de forma que o peso final para o cotista seja os mesmos 20% que haveria se a aplicação fosse direta pelo investidor.
O come-cotas, que hoje é semestral, passa a ser anual, incidindo apenas em novembro, e passará a valer também para fundos fechados, usados por pessoas mais ricas para adiar o recolhimento de tributos. A tributação do estoque de ganho de capital desses fundos será de 10% e poderá ser parcelada, em vez da alíquota de 15% prevista no texto original.
Aumentando a atratividade tributária relativa dos planos de previdência (abertos ou fechados), esses produtos seguirão isentos dos dividendos recebidos, e manterão os sistemas de tabela progressiva ou regressiva de tributação apenas no resgate, conforme opção do participante.
Como compensação para a tributação sobre os dividendos, a proposta da reforma prevê a redução da tributação sobre o lucro corporativo no nível da empresa. Elas estão hoje sujeitas à alíquota de 25% de IR e mais 9% de CSLL (no caso das não-financeiras), num total de 34%. A ideia inicial do governo era reduzir o peso para 29%, mas na versão final do relator essa mordida caiu para 24% - sendo 16,5% de IR e 7,5% de CLL. Vale notar que a queda de 1,5 ponto na CSLL foi condicionada à aprovação do fim de isenções específicas de PIS e Cofins para alguns segmentos.
As empresas se queixam porque, na prática, quando se considera essa nova alíquota de 24%, mais os 20% que incidem sobre o dividendo, a carga total sobre o lucro acaba chegando a 38,4%, no cenário de distribuição de 100% do lucro, ante a alíquota teórica de 34% atualmente. Para muitas empresas, porém, especialmente as de alto patrimônio, o cenário é pior, porque a existência do JCP deixa a alíquota atual distante dos 34%. Com o fim do JCP e a tributação dos dividendos, o efeito negativo será duplo e pode mais do que compensar a queda da alíquota teórica total.
Ainda em relação às mudanças para as empresas, a última versão é menos restritiva em relação à dedutibilidade do pagamento baseado em ações (na versão original a ideia era acabar com o efeito tributário dessa despesa) e permite a continuidade da amortização do ágio (goodwill) gerado em aquisições, após a incorporação (o que também deixaria de existir no projeto do Executivo).
A versão do relator também acabou com um dispositivo que o governo havia incluído para obrigar empresas de artistas e atletas, por exemplo, além de holdings imobiliárias e incorporadoras imobiliárias, a serem tributadas pelo lucro real. Pelo texto final, essas empresas seguem podendo optar pelo lucro presumido, com a obrigação ao lucro real valendo apenas para as securitizadoras.
A principal mudança para as pessoas físicas é a correção da tabela de IR dos rendimentos recebidos do trabalho. Pela proposta, a ideia é elevar em 31% a faixa de isenção e corrigir em percentuais menores as outras faixas. Apesar do aumento da faixa de isenção, o valor fica bem abaixo das promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro em 2018, quando falou em isentar quem ganha até cinco salários mínimos, por volta de R$ 5.500 nos valores de hoje.
Faixas atuais | Faixas da nova proposta | Alíquotas | Contribuintes por faixa (antes) | Contribuintes por faixa (depois) |
Até R$ 1.903,98 | Até R$ 2.500 | 0% (isento) | 10,7 milhões | 16,3 milhões |
De 1.903,99 a R$ 2.826,65 | De R$ 2.500,01 a R$ 3,200 | 7,50% | 6,8 milhões | 2,8 milhões |
Acima de R$ 4.664,68 | Acima de R$ 5.300,01 | 27,50% | 6,9 milhões | 6,3 milhões |
Outra mudança importante é a limitação ao uso do desconto simplificado dos 20% sobre a renda tributável apenas para quem ganha até R$ 40 mil. Essa proposta constava do texto original e foi mantida pelo relator. Hoje, quem ganha até R$ 80 mil consegue usar os 20% integralmente, e quem ganha mais do que isso pode optar por usar o desconto de forma parcial, com o limite nominal de R$ 16,7 mil
Na prática, essa restrição ao uso do desconto simplificado contrabalança o efeito da correção da tabela para quem ganha mais de R$ 3,5 mil por mês e não tem muitas despesas dedutíveis para declarar. Para as faixas acima de R$ 7 mil, a carga pode mais aumentar do que diminuir.
O texto final traz ainda dois agrados para as pessoas físicas, especialmente para os mais abastados. O primeiro é a possibilidade de corrigir o valor dos imóveis na declaração de IR, pagando 4% (no texto original a alíquota era de 5%) sobre o ganho de capital entre janeiro e abril de 2022, em vez de seguir a tabela tradicional, que pode ir de 15% a 22,5%, a depender do valor. Cada indivíduo terá que fazer conta para saber se vale a pena, dado que existem casos de isenção (para único imóvel e venda como recompra em até seis meses), e também a regra atual permite a correção do valor do imóvel por alguns indicadores na hora da venda.
O segundo agrado tem lógica semelhante, mas se refere a bens que estejam com valor desatualizado no exterior. A alíquota, nesse caso, é de 6%. Para o governo, esses incentivos para pagamento antecipado funcionam para deixar com a atual administração uma receita que só seria recolhida ao longo do tempo.